segunda-feira, 1 de junho de 2015

Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire (parte 3)




Qual a solução pedagógica para resolver o problema dos condicionamentos ideológicos em todas as práticas educativas, incluindo aquelas que se dizem neutras?

Para início de conversa a resposta, mais uma vez, começa com o rigor ético do educador.
Aquela ética que condena o cinismo, os preconceitos, e que não admite as práticas de denunciar por ouvir dizer, de acusar alguém de ter dito algo que ele não disse, e de cometer falso testemunho para induzir o outro a acreditar na sua opinião.

É a ética que não confunde pureza com puritanismo, que não confunde respeito aos valores fundamentais da humanidade com moralismo – lembrando que Paulo Freire define moralismo como uma perversão da ética.
A única forma de defender a ética em sala de aula é pelo exemplo.

Então, como lidar com as divergências ideológicas na escola?

O próprio Paulo Freire responde.

Solucionamos isso: "Na maneira como lidamos com os conteúdos que ensinamos, no modo como citamos autores de cuja obra discordamos ou com cuja obra concordamos. Não podemos basear nossa crítica a um autor na leitura feita por cima de uma ou outra de suas obras. Pior ainda, tendo lido apenas a crítica de quem só leu a contracapa de um de seus livros.

Posso não aceitar a concepção pedagógica deste ou daquela autora e devo inclusive expor aos alunos as razões por que me oponho a ela mas, o que não posso, na minha crítica, é mentir. É dizer inverdades em torno deles.

O preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer descompasso entre aquela e esta. Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, não permitir que o nosso mal-estar pessoal ou a nossa antipatia com relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez são obrigações a cujo cumprimento devemos humilde mas perseverantemente nos dedicar."

Por isso é não só interessante, mas profundamente importante que os estudantes percebam as diferenças de compreensão dos fatos.

É importante que eles tenham acesso às várias interpretações, nas mais diversas disciplinas, para que tenham condições de formular as suas próprias ideias.

Conhecimentos não são petrificados. Ninguém sabe tudo. Os livros não trazem tudo. Não chegamos no ponto final do conhecimento. Nenhum saber deve ser absolutizado.

Conhecimentos são pontos de partida. E uma boa formação se revela na capacidade de os alunos relacionarem, interpretarem e transformarem esses conhecimentos e aplica-los em suas vidas.
E para isso é preciso conhecer as divergências e ter consciência das contradições presentes em todo saber.
Por isso é fundamental que os alunos percebam o respeito e a lealdade com que um professor analisa e critica as ideias e as perspectivas do outro.

Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo a nossa condição de sujeitos éticos.
Pelos mais diversos motivos, nós estamos sempre expostos aos desvios éticos. Às vezes as pessoas mentem e agem de forma antiética para defender uma moral, uma tradição, uma crença, uma preferência partidária ou um interesse particular, legítimo ou não. Mas Paulo Freire argumenta que a transgressão da ética jamais é uma virtude.

Quando ele fala da vocação ontológica do ser mais, é que ele enxerga potencialidades amplas nos homens e nas mulheres que têm a capacidade única de pensar e transformar a sua vida, a sua cultura e a sua história.
Homens e mulheres não são apenas produto de determinação genética, ou cultural ou de classe. Paulo Freire também não parte do princípio de que haveria uma força sobrenatural guiando as nossas vidas, determinando o nosso destino ou interferindo magicamente na história.

Para ele isso é uma interpretação equivocada e que não representa o que há de melhor nas ciências ou nas religiões. Todos devemos assumir a responsabilidade ética pelo que dizemos e fazemos.

Agora, isso não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais e sociais a que estamos submetidos. Mas significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Que os conhecimentos e a realidade não são objetos fechados e inacessíveis, mas são campos de possibilidades.
É isso que ele quer dizer quando escreve que o futuro é problemático. E não inexorável.

Nesse ponto Paulo Freire critica uma certa visão de esquerda que se acha detentora do saber revolucionário e que projeta uma espécie de predestinação, como se aquela visão idealizada do futuro fosse uma consequência inevitável da história.

E critica também aquela ideologia do mercado que, como vimos nos vídeos anteriores, se empenha em nos convencer de que não podemos fazer nada além de aceitar e nos adaptarmos a realidade,
que é apresentada como se fosse um fenômeno natural, e não como um processo social, construído e modificado permanentemente pela ação de homens e mulheres na história.

Por isso, Paulo Freire diz que esse é um livro de resistência a esse mecanismo desumanizador. E ao mesmo tempo um livro que, sem ser ingênuo ou idealista, assume a esperança por uma educação humanizadora. Com liberdade, diversidade e ética.

Nenhum comentário: