segunda-feira, 8 de junho de 2015

Não há docência sem discência



Um dos saberes indispensáveis que o educador deve incorporar, desde o princípio de sua própria formação, assumindo-se também como sujeito, é a noção de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção.

Se na experiência de minha própria formação como professor, que deve ser permanente, eu começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem eu me considero o objeto,
que o meu professor é o sujeito que me forma, e eu, aluno, o objeto por ele formado,
quando eu me formar professor, eu acabo me tornando um falso sujeito ao reproduzir aquela relação sujeito-objeto com meus próprios alunos.

Mas é preciso que, pelo contrário, desde o começo de minha própria formação, vá ficando cada vez mais claro que, ainda que diferentes entre si, professores ensinam e aprendem com os alunos; e alunos aprendem e ensinam com os professores.

É claro que o professor conhece o objeto de estudo melhor do que os alunos quando o curso começa, mas ele reaprende através dos processos de reestudá-lo e discuti-lo nas aulas, revisar e corrigir os trabalhos dos alunos e incorporar as novas referências que eles trazem.

É nesse sentido que ensinar não é transferir informação de modo unilateral, encher a cabeça dos alunos de conteúdos, como se eles fossem uma vasilha.

Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se reduzem à condição de objetos um do outro.

Esse princípio parte do ponto de vista de uma educação não autoritária, mais democrática e que entende o valor pedagógico do diálogo. E parte também daquela compreensão dos conhecimentos como processos históricos, inacabados e em permanente transformação.

Ensinar-aprender é uma relação humana que exige a participação de professor e alunos como sujeitos desse processo.

Historicamente, antes das escolas, as pessoas aprendiam socialmente. E foi aprendendo no próprio cotidiano que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível e,  depois, que era preciso trabalhar maneiras, caminhos e métodos de ensinar.

Aprender veio antes de ensinar. Ou melhor, ensinar se diluía na experiência primeira de aprender.
Por isso Paulo Freire argumenta que aquilo que não foi apreendido não pode ser realmente aprendido. Só há validade no ensino em que o aluno se torna capaz de recriar o que aprendeu

E por isso, o processo de aprender, que historicamente esteve interligado com os vários atos de ensinar, é um processo que atinge um campo promissor quando é capaz de deflagrar uma curiosidade crescente para tornar o aprendiz mais e mais crítico, autocrítico e criador.

O ponto alto é o que Freire chama de curiosidade epistemológica, que é aquela curiosidade que se torna rigorosa e sustentada por um método de pesquisa.

E daí vem a sua crítica ao que ele chama de “educação bancária”, aquela onde o professor trabalha para encher os alunos de conteúdo, fazendo com que a formação se restrinja aos atos de depositar informações e exigir que eles guardem na cabeça.

Paulo Freire diz que modelo deforma tanto a criatividade do professor quanto a dos alunos.
Agora, devido à beleza e à força da aprendizagem, alguns alunos ainda conseguem se rebelar e superar o erro da educação bancária.

Para Paulo Freire, é precisamente o gosto da rebeldia e a chama da curiosidade que, de certa forma, “imunizam” o estudante contra aquele modelo que o induz à passividade.


Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar.