segunda-feira, 15 de junho de 2015

Pedagogia da Autonomia, capítulo 1.1



Um professor verdadeiramente democrático é aquele que ajuda a fortalecer a criatividade dos estudantes e aquele que não apenas tolera mas encoraja o questionamento, o debate e a crítica dos alunos ao conteúdo da matéria.
E justamente por isso, uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os estudantes a rigorosidade metódica com que eles devem se aproximar dos objetos de conhecimento.

Essa rigorosidade metódica não tem nada a ver com o discurso de transferir conhecimento. O ato de ensinar não se esgota no oferecimento superficial do conteúdo, mas ele só se realiza quando cria as condições para a aprendizagem crítica.

E essas condições exigem a presença de professores e alunos curiosos, inquietos, instigadores, criadores, humildes e persistentes.
Uma das condições para o aprendizado crítico é a consciência por parte dos alunos que a experiência do raciocínio do professor não pode ser simplesmente transferida a eles.

Porque os próprios alunos também devem vivenciar por essa experiência de construir e reconstruir o saber ao lado do professor e não submisso a ele.
E aí a gente percebe a importância do educador, que tem como tarefa não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar. E nas palavras de Paulo Freire, a pensar certo.

É impossível se tornar um professor crítico utilizando um método mecânico, meramente memorizador, que se restringe a repetir frases em vez de desafiar os alunos a duvidar e a relacionar informações para, enfim, raciocinar em busca de conclusões.

Ou para ter consciência de que há interpretações antagônicas para o mesmo fato, até porque, o conhecimento ainda é um processo em transformação.
Paulo Freire critica aquele tipo de intelectual memorizador, que lê horas a fio, mas que se mantém domesticado a ponto de perder a coragem de arriscar.
Aquele que consegue repetir o que leu com precisão, mas que raramente formula uma interpretação pessoal.

Aquele que não estabelece nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade e no seu bairro.

Aquele que fala bonito de dialética, mas pensa de forma mecânica, unilateral e maniqueísta.

Para Paulo Freire, esse tipo de intelectual simplesmente pensa errado.
É como se os livros que ele leu não tivessem nada a ver com a realidade.
A realidade desse intelectual memorizador é a mesma realidade distorcida daquele modelo escolar que dá as costas ao mundo e acaba idealizando o que não vê. Para o bem ou para o mal.

A leitura crítica não é a mesma coisa que comprar mercadoria por atacado. Ler vinte, trinta livros.

Para Paulo Freire, a leitura verdadeira é aquela que compromete a inteligência e a sensibilidade ao ponto de o leitor interferir no texto, pensar junto com o autor, duvidar, reler, lutar com o texto e vencer junto com ele.
Eu sou o sujeito da compreensão do livro que leio.

Em uma leitura crítica, o que extraímos da nossa experiência com o livro não é só o produto da inteligência exclusiva do autor. O conhecimento gerado pela leitura está na relação entre as minhas curiosidades e a minha inteligência com a engenhosidade do autor.

Por isso é que, sendo uma relação, a dinâmica ensino-aprendizagem exige um exercício para que a gente aprenda a ensinar a pensar.

E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas.

Por isso que o ato de pensar verdadeiramente comprometido com a busca do conhecimento é incompatível com a arrogância de quem já se acha dono da verdade.

É preciso ficar evidente na fala do professor que assim como nós, seres humanos, que nos transformamos permanentemente condicionados pela história, os conhecimentos também se transformam com o tempo. Não há conhecimento estático e definitivo.

É assim que a ciência caminha. Qualquer noção cientificamente comprovada em um determinado período um dia vai se tornar um conhecimento ultrapassado devido às novas descobertas ou invenções nos vários campos do conhecimento.

Por isso Paulo Freire observa que é tão fundamental conhecer os saberes existentes quanto saber que estamos abertos à produção de conhecimento ainda não existente.

Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo do conhecimento: aquele em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente; e aquele em que se formula um conhecimento novo.


É por isso que, na pedagogia da autonomia, ensinar exige também a formação para a pesquisa.